O PRESENTE.
De Paulo Ralf.
Januário se sentiu num dia de sorte por se lembrar que aquele dia era uma data importantíssima que ele sempre esquecia. Aniversário de casamento. E ai já se vão 13 anos.
Em todo o ano essa era a data que sempre lhe trazia problemas pois sempre esquecia e não comprava nada. Depois de um dia estressante na repartição e, mesmo com uma baita chuva que o esperava lá fora, lá foi ele.
O que é que eu vou comprar à essa hora com todo o comércio fechando, chovendo, e com essa grana? Se perguntava.
Uma barraca de camelô já fechando e cheia de artigos femininos, era uma visão. Era como ver uma geladeira cheinha de geladíssimas cervejas bem no meio do deserto do Saara!
-Salvação!!!
Exclamou aliviado.
-‘Noite moça. Tudo bem? Quanto é aquela bolsa preta ali?
-50 reais.
-E aquela sandália ali?
-40 reais.
-E esse colar de contas verdes?
-35 reais.
-Aquela bolsa grande colorida?
-60 reais.
-Urrg! Glub...
Enquanto Januário perguntava o preço de tudo, desesperado, pensando na grana que ia ter que gastar, a vendedora apressadamente guardava suas mercadorias nas caixas.
-Moça, a senhora não pode guardar as coisas mais devagarzinho não?
Perguntou já enlouquecido sem encontrar alguma coisa que fosse bem bonita e é claro, barata, que fosse agradar a esposa.
-Claro que não!
Respondeu a vendedora em tom áspero.
-A essa hora e com esse tempo... o senhor acha que eu vou ficar aqui a noite toda?
-Desculpe senhora mas é que eu tenho de comprar um presente p'ra minha patrôa e não tenho muito dinheiro p'rá gastar.
-Então leva maquiagem "xente"!
É tudo baratinho e a mulherada adora.
-Mas eu não entendo nada disso!..
O PRESENTE
DE
PAULO RALF. CONTINUAÇÃO-
-Olha esse batom. Lindo, na cor da moda e so custa 3 reais.
-3 reais, que maravilha!
-Tá vendo?
-E as mulheres gostam mesmo disso?
-Ficam loucas.
-Maravilha!
Estava ai a solução.
-Moça eu não entendo nada disso. Será que a senhora me ajudava a comprar por, no máximo por 20 reais, , algumas dessas coisinhas coloridas? Quero deixar a patroa bem feliz.
-Claro, olha aí. Lápis de olho dois reais, batom 3 reais, sombra 5 reais...
Assim, a vendedora foi ensacando as coisas à seu gosto enquanto Januário aliviado só pensava na noite maravilhosa que lhe esperava.
Olha, deu 25,50, tá bom?
-Maravilha! Toma aí. Muito obrigado. A senhora salvou minha vida, embrulha p’ra presente bem bonito. Brigado.
Contente com a economia que fez, Januário foi direto para o buteco tomar uma gelada antes de ir para casa.
É hoje!
Comentou com algum típico companheiro conhecido de bar.
-É hoje que eu pego essa nega veia de jeito...
Então, depois daquele desconforto habitual do ônibus lotado, ruas esburacadas, trânsito caótico e todas aquelas escadas, ele finalmente chega em casa.
Cheio de más intenções e com as mãos escondidas p’ra trás, ele diz alegre p’ra sua mulher.
-‘Noite amor! Toma aqui o seu presente. Feliz 13º aniversário. ‘Brigado por me aturar por todos esses anos.
-Ô mozinho!
Marilúcia toda contente corre p’ro abraço.
Ô mozinho, ce é tão ao... o que é que houve? Você sempre esquece...
-É pretinha... sabe como é cabeça de homem né? Sempre fora do ar...
E assim, depois de um longo beijo, Januário se larga no sofá todo à vontade enquanto marilúcia se prepara para abrir o pacote coloridíssimo que o seu amado companheiro lhe trouxe.
-Mozinho... ‘ce é tão bão... Olha, fiz aquele ensopadinho que você tanto gosta.
-Beleza!
Januário, já no segundo copo daquela cerveja baixa renda que ele
costuma ter sempre em casa p’ro futebol de domingo, e por se achar muito esperto, só pensa na sobremesa, então...
-O queee!? Maquiage?! Maquiage?! Maquiage barata de camelô?! To cheia disso na penteadeira e quase nem uso!!!
-Mas amor...
-Amor é o cacete!!! Ta me chamando de feia por acaso?! Só boto maquiage quando a gente vai p’ro pagode, mesmo assim você nem nota.
Só fala do meu decote, da altura da minha saia, do vestido apertado, dos meus peito de fora... arra, vai à merda!!!
-Mas môzinho, comprei com todo carinho p'ra você, não faz assim...vim do trabalho doido p'ra chegar em casa, te encher de beijinho, te amar gostoso...
-Amar gostoso é o cacete!!! Tá pensando oquê? Que eu sou estautua?! Chega ai, nem faz preliminar, papai-mamãe cabô! Dá tempo nem p'ra gozar!
-Mas môzi...
-Moôzinho é o caralho!
Marilúcia revoltada volta ao quarto e joga com raiva um travesseiro e um lençol na cara de Januário e sai resmungando batendo a porta do quarto.
-Mas môzinho da minha vida...
-Da vida é o caralho!!1
-Januário ouve a voz de Marilúcia vinda do quarto trancado. Ele ainda tenta bater na porta, falar alguma coisa, mas Marilúcia irritadíssima só esbraveja e resmunga.
Januário já conformado, sentado no sofá com a mão no queixo,. desolado, tomando o quinto copo de pinga e comendo um sandwiche de mortadela feito com um pão muxibento que sobrou do café e sem margarina, porque acabou, desabafa baixinho.
-É, a gente não faz, leva pau!...A gente faz, leva pau!... Deus! Afinal... quequeessamuiéqué?! Deusdocéuvirgemsanta!
Suspira.
-Tem nada não eu entendo.
Essa tal de tpm é foda!
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