quinta-feira, 29 de março de 2007






O VELHO TRISTE


de Reinaldo Simões.




Todos os dias passando por um bar da rua, via a figura triste de um velho que parecia olhar para o infinito. Seu rosto enrugado transmitia bem estar, mas ao mesmo tempo uma profunda tristeza. Reparei que nunca conversava e sentava-se sozinho à mesa. Bebia cerveja e bebericava um aguardente qualquer. Seu olhar quase imóvel era raramente interrompido em sua placidez por algum suspiro profundo. Aquele rosto calmo e perdido, sua postura quase congelada, atraiu minha curiosidade. Mas nos tempos de hoje, a vida, mesmo nos bares, exige uma certa rapidez, e como não sou de importunar quem quer que seja, deixei de lado.
Entretanto em um dia de muito cansaço e parando no mesmo bar para beber um refrigerante, notei que todas mesas e cadeiras estavam ocupadas, a não ser uma que sobrava na mesa do velho triste. Em um dia comum me debruçaria sobre o balcão a bater papo com o dono do bar ou algum atendente, mas naquela ocasião não deu. É, cansaço de trabalho extremo e porre contínuo desmoronam qualquer um! Foram duas semanas de viagem dirigindo uma peça teatral pelo interior. Além do trabalho ser duro, bebe-se à noite com os atores para comemorar o sucesso e de dia com os técnicos durante os interválos. Então o certo é que pedi para sentar-me à cadeira que sobrava, e acrescentei -"Se o senhor estiver esperando alguém, fique à vontade para recusar."- mas prontamente estendeu a mão apresentando o lugar para que eu me sentasse.
O tempo decorreu com uma contínua brisa morna, muito agradável naquele inverno, e ficamos em silêncio durante muito tempo. Ele mesmo quebrou o silêncio oferecendo-me um copo de cerveja e pedindo um cigarro. Era o que eu precisava para praticar meu plano de desvendá-lo.
Descobri no velho uma conversa animada, de um conhecimento atual muito amplo. Descobri que aquele velho, ex-servente de obras, ex- pescador, ex-rico (ganhou certa vez na Loteria), possuia uma história de vida interessantíssima! Mulheres, viagens, aventuras e família.
Com mais tempo de bate papo me disse que escreveu um livro de poesias sem nunca publicar, que a única falta que sentia na vida era de sua família que num momento de loucura abandonou (e agora tinha muitra vergonha de voltar). Quando ele começou a rir, até gargalhar às vezes, o Leônidas me chamou do balcão e disse que desde o primeiro dia que o velho pousou por ali, há anos, nunca o viu naquele estado.
Na hora da volta para casa, jurando internamente que aqueles seriam os últimos copos de cerveja durante meses, aprestei minha mão para um forte cumprimento, mas contra qualquer expectativa levantou-se e me deu um abraço, olhou para mim com um sorriso de plena satisfação, deu adeus e se foi.
Os outros dias transcorreram com a mesma correria de trabalho, e passando rapidamente pelo bar não o vi mais. É claro que após um mês e pouquinho fui ao balcão do Leõnidas e perguntei pelo velho. O Leônidas falou que depois daquele dia nunca mais apareceu -"Vai ver que morreu, ja era muito velho!"- disse.
Cá pra mim, eu prefiro que tenha procurado sua família e que hoje esteja por lá, comemorando com aquele último sorriso que vi, e algumas cervejas em volta.
Fim.

quarta-feira, 28 de março de 2007




Os bichos
De Christina Rodrigues


Aprendeu a viver com os bichos
Não que tivesse sido abandonado numa floresta qualquer.
Não fora uma loba quem o criara.
Mas aprendeu com os bichos a andar. A falar.
Vivia no circo.
Sua mãe, a trapezista, viva nas nuvens, e seu pai, o palhaço, não levava muito a sério a paternidade.
Tinha mais afinidade com a macaca Zizinha, que foi quem o amamentou.
Sua primeira palavra foi huhuhaha.
Aprendeu a andar com Lulu, uma podle adestrada que andava nas duas patas.
Seu banho quem dava era Zohrar o elefante. Com sua gigantesca tromba largava água encima dele.
Seu pai, o palhaço, só ria.
Na hora de comer sua mãe descia do trapézio e lhe dava um prato de comida.
_Já decidiu o que você vai ser, filho?
_Mas mãe, eu só tenho 5 anos.
_É a idade que se começa por aqui.
Ele não conseguia escolher. Eram tantas as opções.
Contorcionista, trapezista, domador, mágico...
Só não queria ser palhaço. Palhaço era tão triste!
Seu pai ria o dia todo e na hora que o espetáculo acabava, tirava a maquiagem e chorava, chorava....
_Que futuro que eu tenho pra te dar, filho! Neste circo pequeno que se apresenta em cidadezinhas perto do fim do mundo.
Ele sonhara ser palhaço do Gran Circo de Soleil, mas isso ficava em outro país. E seu pai nunca fora tão talentoso assim.
Ele era escada. Apanhava pros outros rirem.
Um dia ele decidiu.
Queria continuar com seus animais.
_Mãe! Vou ser o domador mais jovem do mundo!!!!
E antes que ela dissesse alguma coisa se lançou à jaula dos leões.
Ele nunca tinha entendido o porque deles viverem sempre na jaula.
Foi a primeira vez que viu seu pai chorar ainda vestido de palhaço, e sua mãe descer do trapézio antes do fim do espetáculo.
E o público, sem entender nada, gritar enlouquecido!
Ele fora a maior atração daquele circo em toda sua existência.
A dele e a do circo.


EM MEIO A COISAS SIMPLES

De Luca Oliveira

Pablo acordou tenso. O relógio marcava 4:47am, e ele tentou lembrar se conhecia a mulher que estava ao seu lado.
Sua cabeça doía. Sentia ainda a mistura do gosto da nicotina, dos drinks e do batom daquela desconhecida. Mas, dessa vez, não se orgulhou disso. Levantou-se, ascendeu um cigarro e foi até o banheiro. Ao olhar-se no espelho, viu as marcas das chupadas no pescoço, e sentiu as costas arderem sob as marcas de arranhões feitos pelas unhas daquela mulher. Olhou então para a aliança na mão esquerda, e uma dor espantosa o invadiu. Uma mistura de tristeza, raiva e nojo de si mesmo, ao lembrar de sua esposa e sua filha de quatro anos, que naquele momento, deveria estar dormindo sem o pai em casa.
Saiu cambaleando, sob o efeito do uisk. Pegou suas roupas caríssimas do chão e saiu daquele apartamento sentindo-se o mais nojento e mau caráter dos homens.
Era uma manhã de sábado, e ele se encontrava como em todos os fins de sexta-feira que viveu conforme a imagem de “bem sucedido” lhe mostrava.
Parou seu carro na Rua Augusta e subiu até a Avenida Paulista procurando uma cafeteria. Imaginou que os efeitos da cafeína poderiam diminuir sua ressaca.
Ascendeu outro cigarro e olhou ao redor. Pensou em quantos homens “de bem”, assim como ele, passavam por ali. Viu um dos bancos que fora gerente, lembrou da fortuna que ganhou ali, e do número não menos alarmante de dinheiro que gastou em prostíbulos, bares e festas que só trouxeram como recompensa, a vergonha de estar traindo a mulher que jurara amar e ser fiel até a morte.
Lembrou de sua filha, seu rostinho e sua voz a pedir na noite anterior: “Papai, fica comigo hoje?”. Lembrou-se também de sua reação agressiva ao dizer “Tenho muito trabalho hoje, meu anjo... vou a uma reunião, e não posso perder tempo”. Lembrou de sua mulher a olhá-lo como quem sabe o que ele andava fazendo. Como quem estava cansada daquelas mentiras e desculpas cínicas. Pôde ver a expressão triste da garotinha que não desejava nada mais que a companhia de seu pai.
Pôs-se a chorar. Trêmulo, envergonhado. Daria todo seu dinheiro, carreira, nome e status que conquistou durante anos, por um momento sem aquela angustia.
No meio da multidão. Na região mais influente do estado mais populoso do país, um homem podre de rico, e de influência, curtia a vergonha de ser na verdade, um fraco miserável, pobre e mentiroso. Nunca se sentira assim. Sem que ele percebesse, estava buscando em coisas passageiras, uma paz permanente. Uma paz que ele desconhecia. Via no rosto dos executivos que passavam por ali, o semblante infeliz, o olhar insatisfeito de quem conseguiu tudo que se pode esperar: Um emprego perfeito, uma conta bancária perfeita. O carro perfeito... Só não, a sensação de estar livre para sorrir.
Com todo aquele glamour, todo aquele poder, ele se sentia pobre, fraco e impotente.
Passou sua vida buscando algo que nem toda sua herança, seu diploma, fortuna e império, poderiam lhe dar. Acreditava ser feliz assim. Ou melhor, fingia ser feliz assim. Mas, estava cansado de viver de fachada.
Seu relógio marcava agora, 5:23, e o cinza que cobria o céu naquele dia frio, foi aos poucos dando lugar ao vermelho-laranja do sol.
A cidade começava a acordar. Alguns estabelecimentos começavam a abrir. Ele só observava. Ainda chorando, na frente da cafeteria que esperava abrir, começou a perceber coisas que o cercaram durante muitos anos, mas ele não conhecia.
Viu no canteiro daquela avenida, flores plantadas. Teve o vislumbre das cores e da delicadeza delas. Uma mulher passou por ele com uma criança nos braços. E essa criança sorriu pra ele. Pôde perceber a vida pulsar em coisas simples que outrora, lhe eram insignificantes. Viu o Sol nascer. Sentiu sua luz e o bem estar causado pelo seu calor...
Sentiu então, pela primeira vez, uma sensação de alegria que nem seu dinheiro e as grifes que usava poderiam lhe proporcionar. E sim, coisas sem importância como uma a luz do sol, o sorriso de um bebê e uma flor que nasce no canteiro de uma avenida movimentada.
Viu que tudo o que tinha conquistado ao longo de sua vida, não lhe trouxe a paz que aquelas coisas “pequenas” lhe concebiam sem que ele pedisse ou se esforçasse para ver.
Nem os negócios milionários, suas viagens para o exterior e as prostitutas. Nada. Foi então para casa. Tomou um banho, uma aspirina. Foi até o quarto da filha, deu-lhe um beijo, a olhou por alguns instantes e saiu. Deitou-se ao lado de sua esposa que estava acordando, e que colocou o braço em volta de seu corpo, chegou seu rosto perto do dele e disse: “Eu te amo”.
Ele, com uma lágrima a escorrer, disse: “Querida, perdoe-me. Por favor”. Ela sorriu. Podia sentir que ele estava sendo sincero, e repetiu as palavras que há muito tempo, não ouvia dele.
Ele dessa vez chorou de alegria, pois percebeu que mesmo, se não tivesse as paredes e pisos cobertos de bens, tinha tudo que precisava para ser feliz.

quarta-feira, 21 de março de 2007













Batida




Por Christina Rodrigues

_ Eu vou te arrebentar_ eu disse!_
_ Vem! Vem! Quero ver se tu é homem!
Não sei o que doía mais! A provocação ou o assassinato do português!
Olhei pros lados e pensei comigo! Vou ter que brigar ou vão me tomar por maricas.
Avaliei meu homem. Meu não! Dele!
Era maior do que eu, mais forte e estava com mais raiva. Ou seja, minha possibilidade de ganhar a peleja era nula.
Olhei pra dentro do meu carro e meu filho de 8 disse:
_Vai pai! Acaba com ele!!
Olhei em volta em busca de um pau, uma cadeira, ou qualquer coisa que eu pudesse manter a devida distancia pra preservar minha integridade física.
Não havia nada. Mas mesmo que houvesse eu acabaria saindo como covarde nesta história!
Você sabe! Imagem é tudo!
Principalmente a imagem de um pai diante de seu filho.
Pensei em respirar fundo e ser razoável.
Assumir que estava errado, mesmo não estando! Afinal pra que se paga seguro?
Mas eu já tinha xingado, me debatido, depreciado a santa mãezinha do infeliz.
Mas isso antes dele sair do carro!
O cara era um verdadeiro armário. Mas você sabe! A imagem!!!!
Comecei a rosnar, a babar, a gritar e esmurrar meu próprio carro na ânsia de assustá-lo! Ele podia pensar que eu era louco e me perdoar. Não adiantou! Ele gritou mais alto e esmurrou meu carro.
Pensei nas lágrimas de minha mulher no meu enterro! Do Júnior sem ninguém que lhe garantisse o futuro, da minha mãe sofrendo sobre meu caixão e não tive dúvida! Atirei-me no chão, estrebuchei, revirei os olhinhos pus a mão no coração e gritei por socorro. O homem me pos em seu carro e me levou pro hospital. Me arrependi de o ter insultado.
Fiquei lá gritando até ele sair!
Depois me desculpei com os médicos e fui pra casa. Disse pro meu filho que foi um princípio de enfarte!
Frágil sim! Covarde nunca!!! Preciso manter a imagem!





domingo, 18 de março de 2007

MONTE CASTELO

(ROTEIRO DA HISTÓRIA USADA NA REVISTA BRADO 01 )




“O nome dele é Diego Del Monte Castelo. Nascido no Brasil, descendente de espanhóis, esse aventureiro é considerado o mais famoso explorador da América Latina. Herdeiro de uma fortuna estimada em trezentos milhões de reais, hoje ele vai falar um pouco sobre sua carreira, suas aventuras e seus planos para o futuro. Meu nome é Marta Machado e eu tenho a honra de receber no programa Celebridade Verdade de hoje... O Grande Desbravador!”
Uma onda calorosa de aplausos invade o estúdio. Uma platéia polvorosa saúda de pé o homem que entra tímido, com um sorriso acanhado que tenta disfarçar o nervosismo. O maior estrondo vem dos gritos e assobios das moças ali presentes, não se contendo diante dos dotes físicos do galante convidado da noite, um metro e oitenta e seis de altura, moreno claro, olhos azuis e aparência de galã da novela das oito.
Er... trezentos milhões é tanto de exagero, Marta... – ele
diz. – Esse programa é líder de audiência no horário, não? O que as pessoas vão pensar? – continua.
Ah, perdão, querido. Você com certeza já triplicou esse
valor, não é? – ela responde, cínica.
Pode ser clichê, mas eu gostaria de ter metade das
amantes e dos reais que me são atribuídos. – devolve ele. As mulheres na platéia lançam um novo coro de gritos eufóricos. Diego começa a rir nervosamente.
Ora! – retruca a apresentadora – Isso vindo de um
homem que acabou de ser apontado pela revista “Nova época” como um dos mais sexys do século...
Eu não ligo para esse tipo de publicidade, Marta. Prefiro
me concentrar no meu trabalho, divulgar só o lado profissional.
Tudo bem, Diego. Não precisa ficar vermelho. Vamos
começar então pelo início da sua carreira. Conta pra gente como foi essa loucura de se tornar um explorador. Uma loucura maravilhosa, eu quero dizer.
Eu entendi. Bem, um belo dia eu pus uma mochila nas
costas e decidi viajar pelo mundo.
Maravilha. E como foi isso?
Logo de cara eu fui parar na ilha de Gaia. Ela não
constava em nenhum mapa oficial até então. E não consta até hoje, visto que ela nem existe mais.
E o que rolou por lá?
Bem... pra ser sincero, eu não planejei nada do que
aconteceu... não planejei detonar aquela seita de monges assassinos... a quadrilha de plantadores de maconha... nem tudo mais o que houve. Deus, como eu poderia imaginar o despertar do kalatos...
Kalatos?
Um vulcão que estava adormecido há seiscentos anos.
Oh. Certo, vamos devagar. Como você chegou na ilha?
Eu embarquei como clandestino em um navio de carga
no Rio de Janeiro e..
Clandestino?
Sim. Eu tinha dezessete anos na época, não tinha acesso
ao dinheiro da família. E meus pais recusaram-se a financiar minha “insana” jornada.
Entendi.
Por isso eu saí só com a roupa do corpo e uma mochila
com alguns objetos pessoais. Embarquei furtivamente no navio. Eu soube que seu destino era a África. Achei que seria um lugar exótico e estimulante. Mas a ilha superou minhas expectativas.
Mas você disse que a ilha não constava em nenhum
mapa oficial. Como é que...
Bom, aconteceu que depois de um tempo, eu fui
descoberto no navio. Primeiro, a tripulação não foi muito gentil. Depois alguns tentaram ser gentis até demais. Houve briga e confusão. Gritaria, cadeiras voando, tiros varando o ar. E por fim um incêndio. Os marinheiros então se ocuparam em conter o fogo, mas não estava fácil. Para piorar, o acidente evidenciou uma carga ilegal escondida sob algumas caixas de madeira. Não pude identificar de imediato o que era, mas depois fiquei sabendo que eram armas e explosivos. A tripulação se dividiu e houve um motim. O capitão e os outros oficiais mais elevados foram assassinados. O equipamento de rádio foi destruído, impossibilitando qualquer tipo de comunicação externa. Tudo estava muito fora de controle. Foi então que o incêndio dominou a embarcação. Parte do navio explodiu. A carga ilegal contribuiu muito nesse sentido. Vi muitos homens morrerem. Os que sobreviveram ao impacto principal estavam feridos e cansados demais para brigar entre si. Fizemos então uma trégua. Nos unimos para apagar o incêndio e concertar o que pudéssemos da embarcação. Mas estávamos perdidos, à deriva. Metade do suprimento de comida virou carvão. O restante estava encharcado, mas nos manteve vivos por alguns dias. Só que mesmo essa comida sub-humana acabou e a fome começou a nos afetar profundamente. O cozinheiro me atacou com um facão. Acho que pretendia cometer canibalismo. Eu consegui coloca-lo fora de ação, mas era óbvio que era só questão de tempo até que outro tentasse algo parecido. A tensão crescia e era impossível pregar os olhos e dormir. Não se podia confiar em ninguém. Eu perdi a noção do tempo, por isso não posso precisar quando aconteceu, e depois uma
terrível tempestade se abateu sobre nós. Ela nos envolveu furiosa e nos engoliu com toda a voracidade que lhe fora concedida pela fúria de Deus.
A tormenta se abateu impassível sobre a precária embarcação em que nos encontrávamos, com ventos capazes de arrastar um homem de encontro ao firmamento enquanto enormes ondas castigavam a frágil estrutura do navio, sob a luz periódica dos relâmpagos.
Lembro-me de ter pensado numa nova praga bíblica naquele momento.
Nossa Diego... foi tão ruim assim?
Isso sem mencionar o frio, Marta. Você não imagina
como era frio. Era como se a morte lançasse uma baforada gélida em nossos cangotes desprotegidos. Depois disso, uma enorme escuridão cobriu o céu. Nesse momento eu devo ter desmaiado, ou simplesmente só me rendido ao cansaço. Minha primeira recordação pós-naufrágio é de estar numa praia deserta, acompanhado de enormes destroços de madeira e pedaços de marinheiros por todos os lados. Eu fui o único sobrevivente. E foi assim que eu cheguei na minúscula ilha.
Bom, e depois que você chegou na ilha, o que houve?
Bem, depois de um tempo vagando desorientado, eu
encontrei a seita dos monges assassinos...uma sociedade secreta que vivia há séculos naquele lugar. Tudo era muito secreto e eles queriam que continuasse assim. Eles teriam me matado, não fosse o pequeno incidente com o Kalatos...
Pequeno incidente? Pelo que eu soube, você lançou
trezentos quilos de dinamite no interior do vulcão! A ilha foi completamente destruída.
Essa informação não está confirmada. Porque se for, eu
posso ser preso.
Oh. Entendo. Bem... vamos pular então para a sua fuga.
Foi algo bem mirabolante pelo que fiquei sabendo. Você roubou... hã... furtou um helicóptero dos...
Não foi bem assim. Desculpe, acho que me adiantei um
pouco. Antes de encontrar os monges sanguinários eu já havia desbaratinado a quadrilha dos plantadores de maconha. Só que a filha do chefão deles decidiu ficar de meu lado e...
Ela ficou é caidinha por você!
Bom, é que depois de termos ficado dias em uma gaiola
prestes a ser devorados por índios canibais, acabamos descobrindo várias afinidades mútuas. Sabe, esse é o tipo de situação que une as pessoas.
Canibais?
É. Isso foi na segunda semana na ilha, eu acho. Não
posso dizer que o lugar é exatamente um modelo de monotonia, mas água de coco todo o dia acaba com o bom humor de qualquer um.
Entendo. Bem, só pra eu entender... primeiro vieram os
plantadores de maconha, depois os canibais e por fim os monges assassinos e o vulcão. É isso?
Bem, você pulou os gorilas gigantes e o episódio com os
zumbis. Mas é melhor não estender muito a entrevista. Não vou nem comentar os animais pré-históricos. Pra resumir, depois que o vulcão convenientemente despertou depois de seiscentos anos de inatividade e começou a cuspir bolas de fogo de dez toneladas nas nossas cabeças, eu corri de volta para o que sobrara do acampamento dos plantadores de maconha, onde a Lena estava me esperando. Lena é a filha do chefão que decidiu me ajudar. Foi então que nós pegamos o helicóptero do pai dela. Ele sobreviveu ao... hã... episódio com os mortos-vivos, mas não pôde vir com a gente. Depois de passar por tanta pressão, ele fumou uma quantidade obscena do produto de sua plantação e saiu correndo em direção a lava derretida, gritando alguma coisa sobre as minas do rei Salomão ou coisa parecida. Foi uma morte horrível. Mas ele parecia feliz. Então nós sobrevoamos a ilha e fomos ao arquipélago mais próximo. De lá nós embarcamos em navio para a África e fizemos uma excursão pelo Egito. Você não tem idéia das coisas bizarras que aconteceram comigo nas pirâmides de...
Calma, calma, calma! Vocês simplesmente entraram no
helicóptero e foram embora numa boa?
Sim. Lena é uma grande piloto, felizmente. Na época eu
ainda era inexperiente. Não teria pousado tão bem como ela, considerando que o helicóptero foi atingido por um pedregulho flamejante. Certo, tudo bem que foi uma aterrissagem forçada, mas você sabe o que dizem: toda a aterrissagem em que se sai vivo é uma boa aterrissagem.
Então... foi isso? Tudo assim...normal?
Dentro do possível, sim. Eu era jovem e inexperiente...
essa foi a minha primeira aventura. As coisas foram ficando mais interessantes com o tempo.
Mais interessantes?
É. Se quiser, eu posso contar outras de minhas
excursões pelo mundo... mas acho que isso estouraria o tempo do programa.
Nós ainda temos algum tempo. Mas antes, Diego, uma
pergunta: você não tem medo de... sei lá... ser chamado de mentiroso?
Sim, isso já me ocorreu. Por isso eu tomo o cuidado de
sempre levar uma câmera portátil em todas as minhas viagens. Eu sempre filmo todas as minhas aventuras.
V-Você... sempre leva uma... daquelas mini-câmeras?
Eu entreguei algumas fitas para a produção.
Então... nós temos imagens de tudo o que você acabou
de relatar?
Claro que sim.
Ora, o que estamos esperando, então? Vamos a elas!






Não importa o que eu tenha feito,


alguém ficou puto com o que fiz.

De
Luiz Americo




Cago devagar justamente pra merda não bater na água e molhar minha bunda. E também porque eu curto cagar devagar. E também que adoro cagar no horário de serviço. Cagada remunerada, é nessas horas que realmente acredito no valor de minha força de trabalho. Aqui estou seguro e ninguém me enche o saco, nem deus entra no banheiro quando estou cagando. Uma punheta também vai bem, ainda mais que aquela loirinha gostosa, filha do meu chefe, apareceu com seu pai pela manhã. Parece que estava indo no médico ou dentista ou psicólogo ou sei lá o quê. E o chefe não está! Vou poder passar praticamente a manhã toda na Internet se nenhum caga-pau me incomodar. Ouvi dizer que o mercado está em crise e que as coisas não vão ficar nada boas. Um caralho que não vão ficar nada boas, pra mim nada vai piorar, sou um fudido mesmo e odeio este trabalho. Também odiava o trabalho anterior e nada me fará amar o próximo. Bem que podia ser numa banca de revistas ou então garçon num bar muito louco legalize it. Ou então cobaia de laboratório. Alguma coisa melhor deve existir no outro lado destas paredes. A merda cai maciota na água, quase nem fede. Meus peidos não fedem, mas fazem um barulho da porra. Tinha uma época que eles fediam e era muito massa peidar em ônibus lotado ou em filas de banco ou em qualquer lugar onde as pessoas estão por que são obrigadas a estarem, ou por acharem que são obrigadas, seria melhor dizer. O chefe falou que sua filha tava fazendo pré-vestibular pra poder passar em medicina na ferderal, pois não é qualquer um que pode pagar uma faculdade particular, ainda mais medicina, mensalidade alta, livros caríssimos. Ela é muito inteligente, mas um cursinho é necessário por causa da concorrência. Outro dia ela veio aqui com umas amigas, cada qual mais gostosa que a outra e cada qual mais inacessível pra mim que a outra. Agora o paraíso sabe de minha miséria. Isso eu pixei ontem numa igreja lá perto de casa quando mijei e caguei no altar. Tá bom, é mentira, foi na entrada da igreja que fiz isso, mas tanto faz... o padre ficou puto mesmo assim. Depois de limpar o rabo nada me impede de continuar mocado no banheiro matando o tempo. Fazer listinhas com os mais genteboa e os mais paunocu da firma também é massa: - A Suzy/telefonista além de bonitinha é genteboa - A Rose/secretária além de bonitinhamasgordinha é uma paunocudumapuxasaco. - O Paulo César PC é paunocu até nas iniciais além de mauricinho (imperdoável) - O Pedro apesar de nerd é genteboa - O Marmita é genteboa mas é um punk que nunca ouviu Stooges - O Diogo, apesar de ser o unico cara da firma que não tem apelido é genteboa - O Sazon é viado (é viado! É viado! É viado) Eu certamente sou um pau no cu, pois estou aqui enquanto o Marcos se fode pra fazer o meu trampo. Quando o chefe chegou não demorou muito pra me chamar no escritório. Isso é mau. Desleixo, desinteresse, desmotivação e mau exemplo: uma série de xingamentos/elogios com objetivo de arrasar com meu dia de trabalho. Missão fracassada. Saí do escritório revigorado com a promessa de que se não me corrigir serei premiado com uma semana de dispensa não remunerada. Isso é bom. Deixei de acreditar em empregos antes de conseguir o meu. Vários amigos levaram pé na bunda nas piores horas e um troço assim não pode ser meu objetivo de vida. Conseguir grana pra zoar é um mau necessário, mas daí sacrificar a vida por isso? Necas de pitibiricas. O meu castigo? Organizar o almoxarifado e ficar longe dos micros. Pode crer, você não pode por esperar. A coisa até que tava funcionando pro lado do chefe até que o Marmita/Oficce Boy chegou dizendo que não daria tempo de ir em três bancos a tempo. Deixa que eu te salvo, mano. Peguei as contas telefonicas, os cheques e os dinheiros e fui fazer minha tarefa clandestina no HSBC. Fila de banco é um troço demente mas genial. Quase ninguém gostaria de estar ali. É um dos lugares em que as pessoas mais olham para o relógio e mais demonstram gestos de impaciência. Além do quê banco é um lugar do mal, o certo é que tivesse um padre exorcizando uma vez por semana. Boa idéia, peguei o troco e fui num brechó que ficava maravilhosamente perto e comprei um vestido preto que com um pouco de imaginação até que lembrava uma roupa de padre, não sei o nome daqueles vestidões que os padre usam. Depois fui na lanchonete ao lado do banco, tomei uma coca-cola e roubei a garrafa vazia. Genial, eu me amo, enchi a garrafa com água e entrei no banco devolta. Fui jogando umas gotinhas de água no chão, nos clientes e funcionários murmurando trechos de um painosso improvisado. A diversão durou extatos 45 segundos (45 segundos de perfeição) até que o segurança me pôs pra fora me esculhambando. Muito massa, voltei pra cativeiro/trabalho rindo sozinho no ônibus. Tó os comprovantes de pagamento Marmita, salvei seu rabo só que tô de devendo vinte e sete reais. - O quê, cara? Porra, você é uma paunocú, véio! - Tô ligado. O chefe tinha saído, o que provavelmente significaria que só receberia minha licença prêmio no outro dia. Isso se não existisse celulares. Na hora a Shary ligou pra ele contando da minha fuga e do prejuízo de 27 pilas. Ligação pra mim, é ele. É Deus. É o Diabo, é o semi deus que quer minha alma. - Preciso dizer alguma coisa? - Claro! - Posso saber o quê? - O telefone da sua filha. Porque será que os chefes relutam tanto em despedir as pessoas no ato. Porque será que eles gostam de dar uma segunda chance? Rabo preso, baby, rabo preso. Pois que prenda meu rabo, meu rabo não vale nada. Só que esperar ele chegar pra receber a intimação oficial não tá com nada. Tenho coisas urgentes pra fazer nesse meu dia maravilhoso.

quinta-feira, 8 de março de 2007

O computador


por Christina Rodrigues
1992
Não tinham consentimento. a data prevista expirava e qualquer interrupção podia por a perder todo o andamento do trabalho. As luzes néon do outdoor lá fora invadiam a sala deixando-a verde. Corpos verdes desbotados. Só este desejo vermelho maculava a ordem das coisas. Gemeu. Tinham chegado ao fim. Será? Bem, ele chegou ao fim, ela gemeu. Podia ser que também. Pelo menos consentira com a interrupção. Fechou a barriguilha da calça, ela colocou o vestido no lugar, destrancaram a porta e foram aos respectivos banheiros. Um de cada vez, lógico, para não levantarem suspeitas. Corpos verdes, olhos de todas as cores vigiavam.

Voltaram ao computador sem dizer uma palavra. No fundo da tela movimentam-se palavras numa velocidade muito superior a anterior. Era preciso recuperar o tempo perdido e esquecer que as carnes ainda ardiam, queimavam, estendiam o coito roubado. Foram surpreendidos imóveis diante da tela e recomeçaram o trabalho.
_ Café?
_ Não obrigado! Estou no meio dos cálculos e não posso parar agora.
_ Esse balanço ainda acaba com a gente!
_ Pois é.
O balanço, pois é! Começou a fazer o balanço de sua vida, o balanço de suas relações, o balanço de suas emoções. Quase que perde o fio condutor do balanço da empresa. Ouviu o barulho da impressora. Ainda faltavam três gráficos para ele acabar. Frustrou-se. Tinha programado terminar juntos, assim, enquanto imprimia... Largou o café e mandou imprimir.
_ Hei! Mas e os gráficos?
_ Depois eu faço, depois...

Os olhos dela entenderam o tezão nos olhos dele. Chave na porta. Começou a sugar sua língua e sua compreensão. Embaçados pelo desejo, não mais tinham consciência de seus movimentos. Tudo era um liquidificador de emoções batendo ao som da impressora. Puxou com violência sua calcinha e a arrebentou. Sem querer. Tinham 20 minutos. O tempo de imprimir o balancete. 20 minutos. Manchou sem querer também, a camisa dele de baton. Quase uma vingança, quase. Rolavam por cima das folhas de rascunho, e silenciosamente, amavam-se ferozmente. Num impulso a penetrou. Ela quase gritou, quase... Um prédio inteiro esperava este deslize para invadir e acusar. Mordeu a boca e gozava desesperadamente. Ouviram passos. Em fração de segundos estavam recompostos, destrancando silenciosamente a porta. Só a calcinha escondida no bolso dele podia denunciá-los. Dessa vez fora ele que não gozara. Aquele cheiro de sexo no ar... Ainda bem que o chefe havia perdido o olfato com o tempo de trabalho. Se não poderia perceber que ele próprio fedia a bolor. A calcinha espiava.
_ E os gráficos?_ Perguntou o chefe.
_ Em trinta minutos.

Não havia mais como recomeçar a situação. A impressora parara. Fez os gráficos e os entregou. Arrumaram suas coisas. Saíram do trabalho. Cada um no seu carro, no seu destino.
_ Até amanhã!
Foi só o que disseram.
_ Até amanhã!
E o reflexo do néon em seus rostos não deixava perceber nenhuma emoção.


terça-feira, 6 de março de 2007

UM MUNDO FALSO



Por Luizinho Jr.


Adaptação de história de Laerte.


Era uma manhã de sábado, céu nublado, estação vazia e o trem chegando na plataforma. Assim que as portas se abriram Paulo entrou, sentou-se e começou a ler a revista que levava consigo. Entretido com a leitura, Paulo não percebeu que depois de algumas estações ninguém entrou ou saiu do vagão em que ele estava. Só percebeu no momento em que um homem que estava sentado na outra extremidade do vagão o chamou pelo nome:_ Hei, Paulo...Paulo não respondeu, somente olhou e tentou reconhecer o homem que disse seu nome. Não reconheceu.O rapaz desconhecido levantou-se e caminhou na direção de Paulo, só então ele percebeu que estavam sozinhos no vagão. Paulo foi logo perguntando:_ Você me conhece de onde? Desculpe minha memória, mas é que tenho muitos amigos e às vezes não me recordo de todos....Sabe como é né?_ Fique calmo Paulo, você não me conhece mas eu te conheço!Paulo estranha o jeito como foi abordado e olha com desconfiança para o estranho que se senta no banco ao seu lado, e antes que ele pudesse fazer outra pergunta o estranho lhe fala novamente:_ Tenho algo a lhe dizer, e gostaria que você não se assustasse..._ Cara... Espera aí... Não me lembro de você, você sabe meu nome, senta-se do meu lado, diz que vai me contar algo e não quer que eu me assuste? Qual é a sua? Não sou preconceituoso, mas, Você é homossexual?_ Não Paulo! Mas o Sr. Antonio é!_ Que Sr. Antonio???_ Seu pai, Paulo!Pasmo com a conversa, Paulo olha com raiva para o estranho e grita:_ Você é doido cara? Por acaso você conhece meu pai? Quer apanhar, seu idiota? Como sabe o nome do meu pai?Assustado e abobado, Paulo tem um surto de ironia raivosa:_ Ah... Já sei... Só estamos nós nesse vagão, deve ser uma dessas “pegadinhas” idiotas, né? Onde estão as câmeras?_ Não Paulo! Não é pegadinha! A sua mãe, Dona Zilda, também é homossexual! Mas eles não escolheram, já nasceram assim. Aparentavam ser heterossexuais por imposição da sociedade preconceituosa em que vivemos. Nervoso e chorando Paulo quase parte para a agressão._ Você é louco seu débil mental?! Por que está fazendo isso comigo?_ Vivemos em um mundo de aparências Paulo! Até que chega o dia em que alguém tem que nos dizer a verdade. Aposto que eles nunca disseram que você é adotivo... Disseram?_ Ah meu Deus... Buááá... Não posso ser adotivo, pareço com minha irmã!_ A Gláucia? Esquece ela Paulo. Ela também é lésbica, ela estava tentando achar um jeito de te contar que ela transa com sua noiva, a Júlia. Aliás, a Júlia só noivou com você quando soube que você tinha uma parte maior no testamento do seu pai, mas começou a transar com a Gláucia quando soube que era o contrário, a parte maior é da Gláucia._ Buááá.... Meu Jesus..._ Que Jesus Paulo? Você é muçulmano! Eles também não disseram isso?Um silêncio mórbido toma conta do vagão (...). Depois de alguns segundos de silêncio, Paulo, novamente, começa a chorar.Nesse momento o trem chega numa estação. Paulo, desolado e soluçando, diz para o estranho:_ Chega, não quero ouvir mais nada, vou embora, viver sozinho e encarar esse mundo negro!_ Por falar em negro, Paulo... Você sabe por que seu cabelo é pixaim? É isso mesmo Paulo, aquela história de “você ter nascido na Suíça, terra dos seus avós, e ter vindo p’ra cá com seis meses de idade”, também é falsa. Seus avós viveram na senzala e seus pais verdadeiros já nasceram livres mas sempre sofreram preconceito!_ Não... Isso já é mentira! Olha minha cor? Não percebe o quanto sou branco?_ Aí vem outra parte da sua história Paulo. Lembra-se das “balinhas” que seus pais adotivos sempre lhe davam quando você ainda tinha três anos de idade Paulo? Aquelas “balinhas” eram os comprimidos que aceleravam o processo da doença que você tinha._ Doença?!?_ É Paulo! É lógico que eles, também, nunca lhe disseram que você teve vitiligo... Tipo Michael Jackson, sabe..? Ah... Por falar em Michael Jackson. Aquela história que você ouvia na escola, de que “comunistas comem criancinhas” também era mentira!Com uma expressão raivosa, Paulo olha para o estranho e balança a cabeça para os lados com um sinal de negação e diz:_ Você é doido, está delirando e quer me enlouquecer. Abra os olhos para o mundo real, cara... Ao sair do trem, Paulo arrebenta a cara numa parede onde tinha um desenho de uma escada e uma placa de saída, e com o rosto todo esfolado e sangrando ele ouve do estranho:_ Ops...Esqueci de dizer Paulo: Cuidado aí fora, esse mundo é falso!

sábado, 3 de março de 2007

REDENÇÃO





Por Luca Oliveira.

Luzia fechou os olhos e suspirou profundamente, expressando apenas para si mesma, o asco e a tristeza que sentia naquela vida miserável em que estava inserida, sem a menor possibilidade de escapar, de livrar-se, de dizer "chega" àquela situação desesperadora. Havia um grito preso na garganta, um anseio, uma súplica silenciosa e nada havia que a pudesse tirar daquele sofrimento indizível. Já não se lembrava de um tempo em que tivesse vivido sem aquele terrível sentimento de prisioneira, aquela sensação de não poder determinar sequer qual será a próxima palavra a proferir, tendo sempre um jugo pesado sobre os ombros, um dominador cruel e insano, impiedoso e insaciável de desgraças sobre sua vida já em frangalhos.
Sendo ainda muito criança fora seqüestrada por um criminoso miserável, traficante de pessoas e drogas, que fizera de sua vida, um poço de sofrimento e escuridão tão profundo, que não sobrou sequer uma fagulha de esperança de ser um dia devolvida a uma existência menos destroçada. Tendo sido obrigada a se prostituir até com vários homens no mesmo dia, ofício vil e ingrato, cujo produto pertencia integralmente ao mesmo ser infame que a subjugara de maneira tão desprezível, acabou por se entregar, se entupir diariamente de drogas a fim de poder suportar a carga que sobre seus ombros se agigantava, a ponto de não ser capaz de erguer-se sem gemer de dor e ansiedade. Tendo sido reduzida a um molambo humano, perambulava pelas ruas ao léu, desprovida de rumo, objetivo ou esperança. Contava então vinte e cinco anos, e nem uma vez se sentira amada, ou pelo menos percebida, notada como pessoa, e não apenas para satisfazer desejos de homens inescrupulosos; já não era capaz de cuidar-se, banhar-se regularmente, andava maltrapilha e desvalida, malcheirosa e triste, deprimida a ponto do desespero total. Assim passava os dias, sem acreditar que algum deles pudesse trazer-lhe algum alento, ou um pouquinho sequer de paz, àquele coração ressequido e amargurado. Simplesmente existia, porque VIDA, nunca soube , o que era. Até o dia em que do nada, sem que nada fizesse pra isso, sem nada ver ou ouvir, que pudesse justificar tal atitude, aquele homem, bem vestido, com roupas de um caimento perfeito, cheirando a perfume caríssimo, com olhar penetrante, dentes alvos que se abriam num sorriso acolhedor, homem de porte atlético, e voz profunda, decidiu sair do seu carro de luxo, que combinava perfeitamente, com sua figura esplendida, e aproximou-se daquele trapo humano em que se transformara Luzia, e num lance de arrebatamento, a abraçou sem se importar com as sujidades, que se lhe impregnaria, e falou-lhe ao coração dizendo: Tenho por ti um amor tão profundo que serei capaz de qualquer coisa afim de poder trazer-te a uma existência de felicidade plena, de vida abundante e satisfatória, quero dar-te toda felicidade que tenho reservada para quem amo. E eu te amo! Luzia não era capaz de entender e nem mesmo de aceitar aquele aconchego tão puro, tão desprendido, tão limpo, tão bom, que lhe parecia antes mais um prenúncio de desgraça, algo pra fazê-la acreditar que era possível abandonar aquela sub vida de desgraças, para depois fazê-la afundar-se ainda mais em suas tristezas. Olhou para aquele homem, que olhava pra ela de maneira tão carinhosa, e reunindo todo o ódio que seu coração havia acumulado por todos aqueles anos e cuspiu-lhe no rosto, ao mesmo tempo em que se afastava praguejando. Mas isso não chegou a ser nem ao menos um vislumbre do que aquele homem já havia sofrido para que pudesse trazer hoje à vida miserável de Luzia, um pouco do seu amor imenso.
Havendo muitos anos antes se encontrado com o crápula que seqüestrava e subjugava muitas pobres almas como a de Luzia, naquele território sem lei, num miserável país, onde os governantes apenas governavam para si mesmos deixando à vontade homens cruéis inescrupulosos que agiam como se fossem todo-poderosos, teve com ele uma luta tão brutal e cruenta, onde seu sangue fora derramado, e houve durante três dias a sensação em todo o universo, que Christian, havia sido derrotado irrevogavelmente, que nunca mais haveria esperança para os miseráveis que eram obrigados devido à impossibilidade de sair daquele lugar, a viver exclusivamente para o deleite de tão miserável soberano. Porém depois de três
dias em que esteve dado como morto, e na verdade morrera, não havia como negar, um poder que jamais poderia ser explicado pela mente mais brilhante levantou Christian daquela cova em que fora jogado e o trouxe novamente à vida, bem como ele reconquistou todo poder e riquezas que tinha antes de tal terrível confronto. Esse acontecimento, poderoso, causou tamanho impacto sobre a vida de Lúcio, seu opositor, que já cantava vitória sobre Christian, que desde então não foi mais capaz de encontrar-se com ele, de modo que continuava a oprimir as pessoas, porém reconheceu definitivamente que jamais poderia vencer aquele homem, portanto andava sempre escondido nas sombras, espreitando, verificando se poderia agir ou não naquele momento, e lugar, porque se Christian estivesse por perto, jamais se atreveria a sequer aparecer em público. Mas...Como poderia Luzia saber desse fato, se ninguém viera antes para lhe dizer quem era aquele homem? Como poderia ela saber que já fora derrotado definitivamente, por um preço tão caro o seu opressor? O que lhe faltava - e isso fazia a diferença de toda a sua vida - era a informação de que o preço havia sido pago, e que ela já não precisava mais viver em sujeição, aos caprichos do miserável, que a oprimia. Mesmo tendo sido derrotado pelo poder sobrenatural que trouxera novamente à vida o vencedor, Lúcio jamais permitiria, enquanto estivesse ao seu alcance, que qualquer pessoa que se encontrava sob seu domínio assim como Luzia, recebesse a informação que a libertaria plenamente. Assim sendo, ele somente se ocupava de duas coisas: manter subjugados aqueles que já conquistara, atravéz da desinformação, e subjugar outros sempre que possível também pela ignorância. Christian, não se abatera pela reação da escrava Luzia, continuou a procurá-la, pelos becos escuros, e fétidos da cidade perdida, convocando para auxiliá-lo, todos aqueles que já haviam sido alcançados por seu amor, de modo que não houve para ela alternativa senão ouvir o que tinham a dizer aquelas outras mulheres que tinham sido subjugadas da mesma maneira que ela, e que, no entanto podiam agora livremente, andar por onde bem entendessem, vivendo uma vida livre da opressão, do tirano, e mesmo encontrando-o ocasionalmente não tinham nada mais a temer. Depois de um tempo ouvindo as histórias que se chegavam ao ouvido, Luzia finalmente decidiu cair aos pés, daquele homem que a procurara, naquele mesmo lugar onde ela o havia desrespeitado de maneira tão vil, como era de se esperar de alguém que vivia nas mesmas condições que ela. Foi então que o maior milagre aconteceu: de repente Luzia via a própria vida sendo passada diante de si, e compreendeu que se tivesse enxergado as coisas na dimensão espiritual, teria percebido há muito, que o seu maior temor, e o que causou a subserviência de tantos anos, nada mais era que o fato ter sido enganada, sem conseguir enxergar o que de fato já havia sido feito por sua vida. Ah, como era bom de um momento para o outro, ter os olhos abertos e ter retirado de sobre seus ombros um peso tão terrível, que a fazia vergar-se. Poder num instante ver-se livre, e apta para desfrutar de todas riquezas de seu benfeitor, riquezas incalculáveis que doravante tornaram-se suas, sem que nada tivesse feito para merecê-las. Neste momento Luzia entendeu, pela primeira vez em seus vinte e cinco anos de existência o significado verdadeiro da palavra amor. Mas, sabe como é... o povo gosta de contar histórias...

sexta-feira, 2 de março de 2007

MUITO TARDE E MUITO LONGE - parte I -.







Por Reinaldo Simões.

Ele caminhava à noite pelo Boulevard, inquieto. Os pensamentos vinham como coisas que se encontravam com maior ou menor velocidade, como lembranças nunca esquecidas. Na verdade tentava afastar-se da sensação de arrepio que sentira à pouco, no bar. O rapaz encostado no balcão em discussão bêbada esbravejou alguma coisa com o gerente. O que o garoto dissera o deixou arrepiado e de “espírito” vazio. Então pagou a sua conta e saiu, torcendo o caminho de casa para andar um pouco sob aquela paisagem lunar. Fez uma viagem pelo tempo e se viu com dezesseis anos escrevendo e desenhando para um jornal de esquerda. O ano era de 77 e a ditadura militar que oscilava pela primeira vez, pressupondo seu estertor fortalecia suas garras e as usava sem comedimento. Eram muitos braços de garras perigosas, e muitos desses braços já separados do monstro agiam por conta própria. Lembrou-se também dos movimentos, dos grupos clandestinos, de jogar pedras na tropa de choque, mostrar a bunda para a PE e fugir como o vento dos “caçapões”. Dos jornais de mimeógrafo com a capa mostrando assuntos escolares, mas de conteúdo completamente diferente. As vezes ria de suas memórias, e outras percebia que a alegria “batera” em outro lugar. É que pensava também nos amigos desconhecidos que sumiram sem deixar rastros. E que mesmo aquela viagem deitado sob a lona de um caminhão por centenas de quilômetros, entre alfaces e outros matos, não tinha o menor sabor de aventura. O medo estava sempre presente e quando não estava era muito pior - sinal que se expusera demais.


Num entardecer, ao sair do jornal após entregar sua matéria, foi surpreendido na praça por três caricaturas muito conhecidas. Três homens altos, de meia idade, paletós e enormes óculos escuros. Culpou-se na hora! pensou –“Me distraí. Merda!”. É isso -sem medo a coisa era pior. Não teve opção, no carro de passeio espremido entre dois no banco de trás, ouvia os conselhos do motorista. O sujeito sabia tudo sobre sua família, seus amigos, seu colégio, e tinha a voz falsamente doce. Enquanto outro oferecia cigarro pensou –“E logo eu que sempre tomei cuidado, que nunca envolvi ninguém.” -“Seu pai é jornalista de cinema, não é rapaz? E sua mãe tem uma firma de brindes. Eles sabem o que você faz?” -Não colocaram venda, quando acharam que a hora certa tinha chegado meteram-lhe as mãos sobre sua nuca e o abaixaram entre as pernas para que visse apenas o chão do carro. Um deles, do banco de trás tirou o paletó e enfiou-lhe na cara –“Sai!”- era caminho para o que imaginou ser um prédio com escadas de descida que nunca poderia reconhecer, com o queixo encostado no peito, o paletó na cara e o coração disparado como um lp em 78 rotações.
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Tropeçando sempre, empurrado e levado por mãos habituadas ao caminho, que parecia um estreito corredor, finalmente foi parado. O paletó retirado da cara, e na sua frente apenas grades. Estava ainda do lado de fora, e viu que do outro lado olhavam para ele como se o esperassem, foi empurrado e então ouviu o barulho da porta de grade sendo fechada por trás. O lugar era iluminado por uma lâmpada muito fraca, havia por lá uns vinte e poucos, homens e mulheres, todos de pé, muito juntos. Um rapaz de barba grande e enroscada se aproximou e disse -"Seja bem vindo, agora você é um de nós"- e baixo no ouvido -"Tem alguma notícia lá de fora? Qual o seu juramento? Se tem alguma notícia fala prá mim!"- "Não sei de nada. Só sei que estou aqui."- "Quando você caiu?"- "Agora. Trabalho prá um jornal."-"Qual seu juramento?"- Foi puxado pelo braço por uma mulher muito maqueada, forte, e de roupas extravagantes -"É um menino Fulano! Você está bem meu filho? Eles te bateram?" - "Não Dona".
Ela cuidou dele durante todo o tempo que pode, até ser levada. Disse prá ele que não podiam sentar, agachar podia, mas sentar não! Era regra dos lideres -"Lideres? Mas quem? Lideres de quem?" -Era preciso ter ânimo e força! Era preciso cantar os hinos, traçar planos, dizer que estava tudo certo! Era preciso passar o tempo sabe-se lá para quê!
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Tudo era ouvido como se fosse em outro universo, cada cochicho, cada sussurro e gemido. Um dos rapazes se desesperou e deitou-se gemendo e tossindo - tudo lá era também cansaço, desespero surdo, umidade e cheiro de bolor. O rapaz que se deitou foi surrado ( por algum motivo desconfiavam dele), mas as mulheres impediram o pior, levantaram-no e seguraram o gorducho de pé, várias delas. Durante muito tempo. Muito tempo.
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O tempo! O tempo alí naquela terra estranha era ainda mais estranho, surrealista. Alí, todos aprenderam um signifcado para a angústia impossivel de expressar em palavras, impossível caber na palavra angústia. O tempo era medido pelo barulho de passos no "andar" de cima. Muitos passos, todos comedidos, poucos passos, nenhum passo, silêncio. Muito silêncio. Mais passos, desta vez descendo as escadas que não podiam ver. Esses passos, esses malditos passos que sempre anunciavam que mais um entre eles seria "levado". Muita gritaria, muitos socos e tiros na parede proxima do corredor, já toda marcada, mostrando que não foram os primeiros. Promessas gritadas -"Nos vemos lá fora! -- Força companheiro!" - mas quem não tem medo de tiro? Um a um foi levado. Já podiam sentar-se ao chão, deitar-se, dormir, meter a cabeça na enorme tina de água suja e perder todas as esperanças.
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A Dona fulana que tratara dele já estava muito fraca e confusa e saiu de lá calmamente, arrastando-se um pouco e sorriu. Só para ele. Bem, pelo menos foi o que ele pensou, e andando pelo Boulevard sorriu de novo um sorriso que não, ou apenas talvez, tivera sido dele.
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Finalmente eram três. O casal fazia amor em desespero, era uma espécie de pacto ou coisa assim. Achavam, tinham certeza que não iriam sobreviver àqueles dias. Conheceram-se no escuro e no escuro de suas curtas vidas se amaram, para sempre. Depois de algum tempo eles o convidaram, disseram que era o momento de todos se unirem, compartilharem, ter a última chance de humanidade. Mas ele recostado contra a parede e de rosto virado fez apenas um gesto flácido com uma das mãos, misto de agradecimento e negativa.
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O casal não teve a felicidade aparente de desaparecer unido. Foram muitas juras de reencontro, aqui ou em algum lugar do cosmo, pois era chegada a hora do próximo milênio, e em breve todos estariam juntos.
Logo foi o silêncio, e completamente só, pela primeira vez conseguiu entrar em sono profundo. Acordou com a chegada estrepitosa de mais um. Esfregando os olhos e firmando a vista percebeu pela atitude dos meganhas que aquele não era um homem comum. Enrolado em um cobertor roto, ficou de pé durante longo tempo, o que se podia ver de seu rosto magro eram as enormes deformidades arroxeadas de seu lado esquerdo. Era L.F., dezessete anos, uma lenda entre os aparelhos revolucionários. Tinha dado muito trabalho, tinha sido muito difícil agarrá-lo, e agora os “home” comemoravam com gritos, tapas em suas costas e piadas entre outras sutilezas.
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L.F. apesar de seu estado conservava a lucidez que podia, era um gigante, enfim. Conversavam muito e o recém chegado começou a enlouquecer com os ruídos de passos. Pediu um favor que seu recente amigo jurou cumprir se saísse de lá, este favor consistia em entregar para alguém muito importante um pequeno bilhete escrito num pedacinho de papel com um fósforo queimado. Também do alto de sua experiência procurou acalmar seu confidente dizendo que deveria ser libertado, pois não conhecendo os primeiros escalões revolucionários a ditadura o esqueceria em algum canto.
Então lá se foi! Apareceram entre as grades e chamaram –”L.F., agora é a tua vez! “- novos gritos de júbilo, mais piadas e tapas nas costas –“Vem pra fora que hoje é o dia de te levar pra casa! Pra casa do caralho!”
L.F. respirou o mais fundo que pode e murmurou um –“Até que enfim”- virou-se e disse –“Não esquece!”.
Ao perceber que o amigo desapareceria para sempre depois daquelas grades, pela primeira vez gritou como se existir fosse um grito -“Deixa o cara aqui! Deixa ele preso! Deixa ele preso! Deixa o cara viver! e caminhando pelo Boulervard percebeu que mexera os lábios, como se gritasse novamente, só que desta vez muito, muito baixinho.


Fim da primeira parte.


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Muito tarde e Muito longe. _parte II_

Seus passos pelo Boulevard acompanhavam os pensamentos. LF. Tivera razão, os “home” desistiram dele. O mesmo esquema- cara coberta, e dessa vez cafezinho de garrafa térmica no carro, por baixo do paletó, só ‘’ prá ficar no prumo’’. Diferentemente de seu triste amigo de cela, ele não teve efusividade, nem cumprimentos e piadas calhordas. Foi tudo em silêncio, sem tapinhas nas costas, empurrão, nem conselhos, nada. Então ele pensou
-‘’Estou salvo ! ’’- Os meganhas detestavam quando tinham que livrar a cara de alguém, parecia pra eles que o servico ficava incompleto, por isso agiam daquele jeito tão ‘’antipático’’. Era muito tarde quando foi tirado de dentro do carro, e nem se deram ao trabalho de por um pé do lado de fora, abriram a porta e -‘’Sai’’-, caiu para dentro da madrugada e ainda cambaleante reconheceu a Via Dutra Klm trinta e poucos, sentiu-se despencar e apagou num canteiro. Acordou com uma rodinha de trabalhadores em torno e um sol danado na cara. O resto foi moleza -polícia, telefonema prá família, hospital, soro, remédios, comida, sono.
Quando realmente conseguiu abrir os olhos, viu expectativas nos rostos sorridentes de sua família em torno de si. Ele então perguntou há quanto tempo estivera fora de casa, e o pai respondeu –‘’Três meses, meu filho, três meses.’’
Só se sentiu em liberdade depois de algum tempo. Recuperando-se aos poucos, e com a saúde voltando, retornou ao jornal e a suas atividades de sempre. Acreditou-se muito mais forte e maduro, com muito mais capacidade de enfrentar qualquer inimigo.
Depois disso veio o alistamento, do qual tentou se esquivar, mas foi detido e encaminhado, e já como recruta preso por várias vezes no quartel.
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Namorou, casou, mudou de contatos, e por suas atividades foi ao palanque das Diretas Já. Não como político, mas como ativista cultural. Percebeu que em cada passo ganhava mais o mundo, passos muito diferentes dos que dava agora pelo Boulevard. Aqueles passos estavam muito longe e talvez agora fosse tarde demais. Muito tarde, por isso consultou o relógio e resolveu apesar da hora, voltar pro bar. Lá cumprimentou a todos, sempre muito popular, e deu a última talagada da noite.
Sorrindo se despediu e sorrindo voltou para casa.
Quanto ao rapaz bêbado que gritara no bar qualquer coisa de arrepiar? Ah! Deixa prá lá!

Creio que foi -talvez tenha sido- qualquer coisa como -‘’É por isso que neste pais só tem ladrão! Terra de mercenários! De hipócritas! Nesse país ninguém faz nada, nunca ninguém faz nada que preste!Ninguém faz nada prá ninguém!’’
Mas ao chegar em casa os ecos da voz roufenha do rapaz já tinham desaparecido de sua cabeca, Já tinham ficado muito tarde e muito longe.
Sentiu-se feliz e abracou com o pensamento toda a sua família que já dormia.


FIM.