terça-feira, 6 de março de 2007

UM MUNDO FALSO



Por Luizinho Jr.


Adaptação de história de Laerte.


Era uma manhã de sábado, céu nublado, estação vazia e o trem chegando na plataforma. Assim que as portas se abriram Paulo entrou, sentou-se e começou a ler a revista que levava consigo. Entretido com a leitura, Paulo não percebeu que depois de algumas estações ninguém entrou ou saiu do vagão em que ele estava. Só percebeu no momento em que um homem que estava sentado na outra extremidade do vagão o chamou pelo nome:_ Hei, Paulo...Paulo não respondeu, somente olhou e tentou reconhecer o homem que disse seu nome. Não reconheceu.O rapaz desconhecido levantou-se e caminhou na direção de Paulo, só então ele percebeu que estavam sozinhos no vagão. Paulo foi logo perguntando:_ Você me conhece de onde? Desculpe minha memória, mas é que tenho muitos amigos e às vezes não me recordo de todos....Sabe como é né?_ Fique calmo Paulo, você não me conhece mas eu te conheço!Paulo estranha o jeito como foi abordado e olha com desconfiança para o estranho que se senta no banco ao seu lado, e antes que ele pudesse fazer outra pergunta o estranho lhe fala novamente:_ Tenho algo a lhe dizer, e gostaria que você não se assustasse..._ Cara... Espera aí... Não me lembro de você, você sabe meu nome, senta-se do meu lado, diz que vai me contar algo e não quer que eu me assuste? Qual é a sua? Não sou preconceituoso, mas, Você é homossexual?_ Não Paulo! Mas o Sr. Antonio é!_ Que Sr. Antonio???_ Seu pai, Paulo!Pasmo com a conversa, Paulo olha com raiva para o estranho e grita:_ Você é doido cara? Por acaso você conhece meu pai? Quer apanhar, seu idiota? Como sabe o nome do meu pai?Assustado e abobado, Paulo tem um surto de ironia raivosa:_ Ah... Já sei... Só estamos nós nesse vagão, deve ser uma dessas “pegadinhas” idiotas, né? Onde estão as câmeras?_ Não Paulo! Não é pegadinha! A sua mãe, Dona Zilda, também é homossexual! Mas eles não escolheram, já nasceram assim. Aparentavam ser heterossexuais por imposição da sociedade preconceituosa em que vivemos. Nervoso e chorando Paulo quase parte para a agressão._ Você é louco seu débil mental?! Por que está fazendo isso comigo?_ Vivemos em um mundo de aparências Paulo! Até que chega o dia em que alguém tem que nos dizer a verdade. Aposto que eles nunca disseram que você é adotivo... Disseram?_ Ah meu Deus... Buááá... Não posso ser adotivo, pareço com minha irmã!_ A Gláucia? Esquece ela Paulo. Ela também é lésbica, ela estava tentando achar um jeito de te contar que ela transa com sua noiva, a Júlia. Aliás, a Júlia só noivou com você quando soube que você tinha uma parte maior no testamento do seu pai, mas começou a transar com a Gláucia quando soube que era o contrário, a parte maior é da Gláucia._ Buááá.... Meu Jesus..._ Que Jesus Paulo? Você é muçulmano! Eles também não disseram isso?Um silêncio mórbido toma conta do vagão (...). Depois de alguns segundos de silêncio, Paulo, novamente, começa a chorar.Nesse momento o trem chega numa estação. Paulo, desolado e soluçando, diz para o estranho:_ Chega, não quero ouvir mais nada, vou embora, viver sozinho e encarar esse mundo negro!_ Por falar em negro, Paulo... Você sabe por que seu cabelo é pixaim? É isso mesmo Paulo, aquela história de “você ter nascido na Suíça, terra dos seus avós, e ter vindo p’ra cá com seis meses de idade”, também é falsa. Seus avós viveram na senzala e seus pais verdadeiros já nasceram livres mas sempre sofreram preconceito!_ Não... Isso já é mentira! Olha minha cor? Não percebe o quanto sou branco?_ Aí vem outra parte da sua história Paulo. Lembra-se das “balinhas” que seus pais adotivos sempre lhe davam quando você ainda tinha três anos de idade Paulo? Aquelas “balinhas” eram os comprimidos que aceleravam o processo da doença que você tinha._ Doença?!?_ É Paulo! É lógico que eles, também, nunca lhe disseram que você teve vitiligo... Tipo Michael Jackson, sabe..? Ah... Por falar em Michael Jackson. Aquela história que você ouvia na escola, de que “comunistas comem criancinhas” também era mentira!Com uma expressão raivosa, Paulo olha para o estranho e balança a cabeça para os lados com um sinal de negação e diz:_ Você é doido, está delirando e quer me enlouquecer. Abra os olhos para o mundo real, cara... Ao sair do trem, Paulo arrebenta a cara numa parede onde tinha um desenho de uma escada e uma placa de saída, e com o rosto todo esfolado e sangrando ele ouve do estranho:_ Ops...Esqueci de dizer Paulo: Cuidado aí fora, esse mundo é falso!

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