domingo, 18 de março de 2007

MONTE CASTELO

(ROTEIRO DA HISTÓRIA USADA NA REVISTA BRADO 01 )




“O nome dele é Diego Del Monte Castelo. Nascido no Brasil, descendente de espanhóis, esse aventureiro é considerado o mais famoso explorador da América Latina. Herdeiro de uma fortuna estimada em trezentos milhões de reais, hoje ele vai falar um pouco sobre sua carreira, suas aventuras e seus planos para o futuro. Meu nome é Marta Machado e eu tenho a honra de receber no programa Celebridade Verdade de hoje... O Grande Desbravador!”
Uma onda calorosa de aplausos invade o estúdio. Uma platéia polvorosa saúda de pé o homem que entra tímido, com um sorriso acanhado que tenta disfarçar o nervosismo. O maior estrondo vem dos gritos e assobios das moças ali presentes, não se contendo diante dos dotes físicos do galante convidado da noite, um metro e oitenta e seis de altura, moreno claro, olhos azuis e aparência de galã da novela das oito.
Er... trezentos milhões é tanto de exagero, Marta... – ele
diz. – Esse programa é líder de audiência no horário, não? O que as pessoas vão pensar? – continua.
Ah, perdão, querido. Você com certeza já triplicou esse
valor, não é? – ela responde, cínica.
Pode ser clichê, mas eu gostaria de ter metade das
amantes e dos reais que me são atribuídos. – devolve ele. As mulheres na platéia lançam um novo coro de gritos eufóricos. Diego começa a rir nervosamente.
Ora! – retruca a apresentadora – Isso vindo de um
homem que acabou de ser apontado pela revista “Nova época” como um dos mais sexys do século...
Eu não ligo para esse tipo de publicidade, Marta. Prefiro
me concentrar no meu trabalho, divulgar só o lado profissional.
Tudo bem, Diego. Não precisa ficar vermelho. Vamos
começar então pelo início da sua carreira. Conta pra gente como foi essa loucura de se tornar um explorador. Uma loucura maravilhosa, eu quero dizer.
Eu entendi. Bem, um belo dia eu pus uma mochila nas
costas e decidi viajar pelo mundo.
Maravilha. E como foi isso?
Logo de cara eu fui parar na ilha de Gaia. Ela não
constava em nenhum mapa oficial até então. E não consta até hoje, visto que ela nem existe mais.
E o que rolou por lá?
Bem... pra ser sincero, eu não planejei nada do que
aconteceu... não planejei detonar aquela seita de monges assassinos... a quadrilha de plantadores de maconha... nem tudo mais o que houve. Deus, como eu poderia imaginar o despertar do kalatos...
Kalatos?
Um vulcão que estava adormecido há seiscentos anos.
Oh. Certo, vamos devagar. Como você chegou na ilha?
Eu embarquei como clandestino em um navio de carga
no Rio de Janeiro e..
Clandestino?
Sim. Eu tinha dezessete anos na época, não tinha acesso
ao dinheiro da família. E meus pais recusaram-se a financiar minha “insana” jornada.
Entendi.
Por isso eu saí só com a roupa do corpo e uma mochila
com alguns objetos pessoais. Embarquei furtivamente no navio. Eu soube que seu destino era a África. Achei que seria um lugar exótico e estimulante. Mas a ilha superou minhas expectativas.
Mas você disse que a ilha não constava em nenhum
mapa oficial. Como é que...
Bom, aconteceu que depois de um tempo, eu fui
descoberto no navio. Primeiro, a tripulação não foi muito gentil. Depois alguns tentaram ser gentis até demais. Houve briga e confusão. Gritaria, cadeiras voando, tiros varando o ar. E por fim um incêndio. Os marinheiros então se ocuparam em conter o fogo, mas não estava fácil. Para piorar, o acidente evidenciou uma carga ilegal escondida sob algumas caixas de madeira. Não pude identificar de imediato o que era, mas depois fiquei sabendo que eram armas e explosivos. A tripulação se dividiu e houve um motim. O capitão e os outros oficiais mais elevados foram assassinados. O equipamento de rádio foi destruído, impossibilitando qualquer tipo de comunicação externa. Tudo estava muito fora de controle. Foi então que o incêndio dominou a embarcação. Parte do navio explodiu. A carga ilegal contribuiu muito nesse sentido. Vi muitos homens morrerem. Os que sobreviveram ao impacto principal estavam feridos e cansados demais para brigar entre si. Fizemos então uma trégua. Nos unimos para apagar o incêndio e concertar o que pudéssemos da embarcação. Mas estávamos perdidos, à deriva. Metade do suprimento de comida virou carvão. O restante estava encharcado, mas nos manteve vivos por alguns dias. Só que mesmo essa comida sub-humana acabou e a fome começou a nos afetar profundamente. O cozinheiro me atacou com um facão. Acho que pretendia cometer canibalismo. Eu consegui coloca-lo fora de ação, mas era óbvio que era só questão de tempo até que outro tentasse algo parecido. A tensão crescia e era impossível pregar os olhos e dormir. Não se podia confiar em ninguém. Eu perdi a noção do tempo, por isso não posso precisar quando aconteceu, e depois uma
terrível tempestade se abateu sobre nós. Ela nos envolveu furiosa e nos engoliu com toda a voracidade que lhe fora concedida pela fúria de Deus.
A tormenta se abateu impassível sobre a precária embarcação em que nos encontrávamos, com ventos capazes de arrastar um homem de encontro ao firmamento enquanto enormes ondas castigavam a frágil estrutura do navio, sob a luz periódica dos relâmpagos.
Lembro-me de ter pensado numa nova praga bíblica naquele momento.
Nossa Diego... foi tão ruim assim?
Isso sem mencionar o frio, Marta. Você não imagina
como era frio. Era como se a morte lançasse uma baforada gélida em nossos cangotes desprotegidos. Depois disso, uma enorme escuridão cobriu o céu. Nesse momento eu devo ter desmaiado, ou simplesmente só me rendido ao cansaço. Minha primeira recordação pós-naufrágio é de estar numa praia deserta, acompanhado de enormes destroços de madeira e pedaços de marinheiros por todos os lados. Eu fui o único sobrevivente. E foi assim que eu cheguei na minúscula ilha.
Bom, e depois que você chegou na ilha, o que houve?
Bem, depois de um tempo vagando desorientado, eu
encontrei a seita dos monges assassinos...uma sociedade secreta que vivia há séculos naquele lugar. Tudo era muito secreto e eles queriam que continuasse assim. Eles teriam me matado, não fosse o pequeno incidente com o Kalatos...
Pequeno incidente? Pelo que eu soube, você lançou
trezentos quilos de dinamite no interior do vulcão! A ilha foi completamente destruída.
Essa informação não está confirmada. Porque se for, eu
posso ser preso.
Oh. Entendo. Bem... vamos pular então para a sua fuga.
Foi algo bem mirabolante pelo que fiquei sabendo. Você roubou... hã... furtou um helicóptero dos...
Não foi bem assim. Desculpe, acho que me adiantei um
pouco. Antes de encontrar os monges sanguinários eu já havia desbaratinado a quadrilha dos plantadores de maconha. Só que a filha do chefão deles decidiu ficar de meu lado e...
Ela ficou é caidinha por você!
Bom, é que depois de termos ficado dias em uma gaiola
prestes a ser devorados por índios canibais, acabamos descobrindo várias afinidades mútuas. Sabe, esse é o tipo de situação que une as pessoas.
Canibais?
É. Isso foi na segunda semana na ilha, eu acho. Não
posso dizer que o lugar é exatamente um modelo de monotonia, mas água de coco todo o dia acaba com o bom humor de qualquer um.
Entendo. Bem, só pra eu entender... primeiro vieram os
plantadores de maconha, depois os canibais e por fim os monges assassinos e o vulcão. É isso?
Bem, você pulou os gorilas gigantes e o episódio com os
zumbis. Mas é melhor não estender muito a entrevista. Não vou nem comentar os animais pré-históricos. Pra resumir, depois que o vulcão convenientemente despertou depois de seiscentos anos de inatividade e começou a cuspir bolas de fogo de dez toneladas nas nossas cabeças, eu corri de volta para o que sobrara do acampamento dos plantadores de maconha, onde a Lena estava me esperando. Lena é a filha do chefão que decidiu me ajudar. Foi então que nós pegamos o helicóptero do pai dela. Ele sobreviveu ao... hã... episódio com os mortos-vivos, mas não pôde vir com a gente. Depois de passar por tanta pressão, ele fumou uma quantidade obscena do produto de sua plantação e saiu correndo em direção a lava derretida, gritando alguma coisa sobre as minas do rei Salomão ou coisa parecida. Foi uma morte horrível. Mas ele parecia feliz. Então nós sobrevoamos a ilha e fomos ao arquipélago mais próximo. De lá nós embarcamos em navio para a África e fizemos uma excursão pelo Egito. Você não tem idéia das coisas bizarras que aconteceram comigo nas pirâmides de...
Calma, calma, calma! Vocês simplesmente entraram no
helicóptero e foram embora numa boa?
Sim. Lena é uma grande piloto, felizmente. Na época eu
ainda era inexperiente. Não teria pousado tão bem como ela, considerando que o helicóptero foi atingido por um pedregulho flamejante. Certo, tudo bem que foi uma aterrissagem forçada, mas você sabe o que dizem: toda a aterrissagem em que se sai vivo é uma boa aterrissagem.
Então... foi isso? Tudo assim...normal?
Dentro do possível, sim. Eu era jovem e inexperiente...
essa foi a minha primeira aventura. As coisas foram ficando mais interessantes com o tempo.
Mais interessantes?
É. Se quiser, eu posso contar outras de minhas
excursões pelo mundo... mas acho que isso estouraria o tempo do programa.
Nós ainda temos algum tempo. Mas antes, Diego, uma
pergunta: você não tem medo de... sei lá... ser chamado de mentiroso?
Sim, isso já me ocorreu. Por isso eu tomo o cuidado de
sempre levar uma câmera portátil em todas as minhas viagens. Eu sempre filmo todas as minhas aventuras.
V-Você... sempre leva uma... daquelas mini-câmeras?
Eu entreguei algumas fitas para a produção.
Então... nós temos imagens de tudo o que você acabou
de relatar?
Claro que sim.
Ora, o que estamos esperando, então? Vamos a elas!

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